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A "DROGA" DE HOLLYWOOD

O remédio que é usado para tratar diabetes tipo 2 ganhou popularidade nas redes sociais devido ao seu rápido efeito de emagrecimento

Por Isabelle Santos e Victória Marques

A popularidade de um novo tipo de medicamento conhecido como semaglutida, comercializado para diabetes tipo 2 pelas marcas Ozempic ou Wegovy, despertou um grande interesse público e atraiu a atenção das redes sociais por seus efeitos de emagrecimento. Destes medicamentos, apenas o Wegovy tem especificado em sua bula a previsão de perda de peso. O remédio que tem autorização da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para esse comércio no Brasil, será vendido somente no segundo semestre de 2024. O fato do Wegovy ainda não estar disponível em território nacional, fez com que o Ozempic e medicamentos similares ganhassem ainda mais popularidade, por conta dos efeitos de emagrecimento rápido e pelo fato da venda dos remédios ser feita sem prescrição médica.

Mesmo sendo prescrito para pacientes que têm o diagnóstico de diabetes tipo 2, a recente atenção ao uso da chamada “droga de Hollywood” está envolta com a gordofobia e é provável que influencie os discursos anti-gordura nos próximos anos, principalmente pelos  ciclos de tendências da moda nas passarelas com a presença de modelos mais magras e também a volta da tendência Y2K, sigla para year 2000 ou, em português, ano 2000, que tem por características o uso da cintura baixa, sempre usando como referência o corpo magro e com poucas curvas, fazendo com que as pessoas idealizem ainda mais a magreza e o emagrecimento. E é assim que o Ozempic entra, porque a semaglutida, substância utilizado pelo medicamento e por semelhantes, ajuda a regular os níveis de insulina e tem a capacidade de reproduzir os efeitos do hormônio GLP-1, que é liberado pelo intestino após as refeições, resultando na redução do apetite, aumentando a sensação de saciedade e contribuindo para a perda de peso. A técnica de enfermagem Marcela Silva, comenta como o medicamento age no corpo do paciente para que essa perda de peso ocorra. “Essa medicação, ela tem uma molécula que faz com que demore para acontecer o esvaziamento gástrico. Então, o que acontece: a pessoa fica com uma sensação de que ela já está saciada e ela não vai querer comer mais. Essa sensação vai durar mais tempo, mais do que o corpo dela está acostumado a demorar. A perda de peso dessa forma não é tão saudável, porque você vai acabar eliminando vitaminas do seu corpo. [...] Então, ela não vai se alimentar do jeito que ela se alimenta normalmente (por conta do uso do medicamento).”

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A farmacêutica Hellen Souza comenta sobre esse descobrimento das pessoas relacionado ao efeito de emagrecimento do Ozempic: “A gente sabe que a indicação principal é para um paciente diabético, um paciente com IMC acima de 30, né? Que, no caso, seria o paciente que tem obesidade ou uma síndrome metabólica. Mas, o público foi percebendo que tinha um efeito de emagrecimento e, então, essas pessoas que não precisam, que não são diabéticos nem são obesas, começaram a consumir esse medicamento e ver através dele, uma resposta. Além disso, com vários comentários positivos relacionados ao fácil emagrecimento de terceiros faz com que o público tenha ainda mais interesse e hoje, infelizmente, ele está sendo vendido sem prescrição médica favorecendo o  rápido acesso”. 

Apesar dos progressos e aumento nos últimos anos de tendências de aceitação e movimentos como body positive, que incentivam e reconhecem a diversidade de corpos, principalmente femininos, a ascensão de medicamentos e métodos para o emagrecimento mostra como a moda e os padrões têm regredido. De acordo com dados divulgados pelo jornal Valor Econômico, só em 2023 a receita privada da empresa Novo Nordisk fechou em  R$3,7 bilhões, um crescimento de 52% em relação ao ano anterior, os principais responsáveis por esse aumento foram remédios à base de semaglutina, entre eles o Ozempic. O crescimento surpreendeu, visto que o preço médio da caneta no Brasil varia entre R$700 e R$1.000 reais.

A rápida perda de peso e seus efeitos na pele por causa do uso contínuo e sem acompanhamento médico podem desencadear riscos à saúde. Por isso, o termo "Rosto Ozempic", além do mais famoso “Cabeça de Ozempic” nas redes sociais e em outras plataformas on-line fazem cada vez mais sucesso e se referem a aparência  envelhecida dos pacientes após a perca de peso excessiva. “Esse é feito despencar, é justamente porque ela perde muito do tônus muscular e não está cuidando do que ela está perdendo, às vezes ela está perdendo um monte de músculo e aí ela vai ter esse efeito de despencar mesmo. [...] A cabeça acaba tendo um destaque maior também [...] E esse efeito tem muito haver com o uso feito de qualquer jeito, o que causa aquela coisa bem desproporcional mesmo, porque a pessoa perdeu muita massa magra.” explica a endocrinologista e metabologista, Thais Mussi.

Com o aumento da popularidade, principalmente no Tik Tok, que conta com quase 90 mil publicações com a hashtag na rede social, houve um crescimento na procura do medicamento o que fez com que a fabricante Novo Nordisk emitisse um alerta sobre a falta do remédio nas farmácias, o que ocasionou a identificação de lotes falsificados de Ozempic pela ANVISA, ambos os casos colocam em risco o tratamento de vários pacientes que têm diabetes tipo 2. Por exemplo, em Nova York, uma mulher utilizava o Tik Tok para vender medicamentos não autorizados para perda de peso, incluindo produtos rotulados como Ozempic. 

Isis Navarro Reyes vendia o Ozempic em sua conta no TikTok sem autorização/ Reprodução: E!NEWS

Isis Navarro Reyes, não possuía licença para a venda dos medicamentos, porém, em vídeos postados na rede social, Isis demonstrava aos espectadores como injetar o que, segundo ela, era o Ozempic e relatava sua própria experiência com o uso do medicamento.

A ‘FEBRE’ DO MEDICAMENTO NO MUNDO DAS CELEBRIDADES

O fenômeno que tem se expandido por todo mundo, é popular principalmente entre as celebridades, e ainda mais nos Estados Unidos. Por exemplo, o país desenvolveu em 2022 um comercial com jingle para divulgar o medicamento, mostrando que além de ajudar com a diabetes, o comprador também pode perder peso. Pela grande popularidade, alguns famosos já falaram abertamente sobre o uso do medicamento, como o CEO da Tesla, Elon Musk, que afirmou ter perdido quase 14 quilos somente com jejum e Ozempic/Wegovy.

Artistas que estão aparecendo cada vez mais magras têm sido alvo de especulações sobre o uso desses medicamentos. Maiara, da dupla Maiara e Maraisa, e a cantora sertaneja Mari Fernandez passaram a ser questionadas porque apareceram recentemente mais magras. Mesmo que ambas tenham negado o uso do medicamento, com o argumento de que fizeram dietas e exercícios físicos, os internautas ainda especulam e viralizam os memes “Rosto Ozempic" e “Cabeça de Ozempic”.

"EFEITO HADID"

Nas redes sociais, milhares de perfis incentivam o uso do medicamento e postam o dia a dia e como fazer o uso dele, sem nenhum tipo de prescrição médica ou acompanhamento. “A disseminação dessas informações nas redes sociais, acaba dando essa falsa impressão que é um milagre, que é tranquilo usar, que é zero problemas você usar. Passam a imagem de que “usei, tô magra, acabou e tchau”, porém, o buraco é muito mais embaixo.” diz Thais Mussi. A médica também cita o “Efeito Hadid”, nome criado pelo site “Não Conto Calorias”, baseado no artigo da Jia Tolentino para a New Yorker Magazine, na qual pessoas que já são magras querem emagrecer ainda mais, “A pessoa que é magra, ela quer ela “secar” de fato, então ela utiliza o Ozempic” aborda Thais. Esse efeito foi nomeado por causa das duas irmãs e modelos norte-americanas Bella e Gigi Hadid, onde Jia Tolentino contou em seu artigo que uma amiga pensou em tomar Ozempic pois era “magra igual a Gigi Hadid” mas que poderia ser “magra igual a Bella Hadid”. 

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Hellen também aborda que a maioria das pessoas que procuram pelo Ozempic na farmácia não possuem físico de pessoa obesa. “Infelizmente a maioria das pessoas que compram o medicamento, não possuem físico de uma pessoa obesa, possa ser que ela tenha problema da diabetes, mas o físico mesmo não é de uma pessoa obesa”.

 

As tensões entre o uso dos remédios para fins estéticos e a escassez nas farmácias são evidentes, já que o uso do Ozempic para perder peso tem diminuído a disponibilidade deste tratamento para pessoas que realmente precisam dele. Além disso, também é claro a pressão em pessoas consideradas gordas, uma vez que os privilégios em suas formas raciais, de gênero, geográficas e outras influenciaram discursos gordofóbicos, “Porque é claro, o paciente que está com obesidade, é um paciente que está cansado e é difícil ele dizer que está super feliz daquela forma, sabe? A maioria sofre. Hoje, querendo ou não, a gente vive em um padrão estético e se você não usar manequim tal, você não é visto positivamente ", comenta a endocrinologista.

 

Com diversos conteúdos sobre o Ozempic nas redes sociais e na internet, além do vasto número de celebridades utilizando o medicamento, esses fatores ajudam a influenciar pessoas a fazerem uso do Ozempic. Ana (nome fictício) utilizou o medicamento para o emagrecimento por dois meses e foi motivada pelos depoimentos vistos na internet que acabaram a influenciando para usar: “Pelo que diziam o medicamento era fantástico para o emagrecimento.”, mas, mesmo com acompanhamento, a experiência utilizando o Ozempic foi complicada, não funcionando na questão do emagrecimento e contendo diversos efeitos colaterais. “Eu acredito que sim, as redes sociais contribuem para que as pessoas usem e não somente essa medicação, mas várias que podem colocar muitas vezes a pessoa em risco."

 

"As pessoas fazem qualquer tipo de loucura para emagrecer e deixam a saúde de lado, né?"

                                                                                                                 - Marcela Silva

 

"Isso pode acarretar vários fatores de doença de planos de saúde, não somente físicos como psicológicos. As pessoas poderiam procurar uma forma que demora um pouco mas que seja de forma saudável, fazer exercícios, mudar a alimentação, apenas uma mudança na rotina, assim você já consegue uma diferença. Mas, as pessoas preferem passar por diversos problemas para ter o ‘corpo padrão da internet’", comenta Marcela.

 

Maria (nome fictício), por outro lado, fez a utilização do medicamento por indicação de um nutrólogo por três meses. “Já havia escutado falar do Ozempic por meio de uma colega que o utilizava. Posteriormente, durante uma consulta com um nutrólogo, ele me recomendou o medicamento. A principal motivação foi a perspectiva de perda de peso em um período relativamente curto, uma vez que eu tinha a intenção de passar por uma lipoaspiração. Meu cirurgião solicitou que eu perdesse 10 kg antes do procedimento, e essa foi a razão primordial para iniciar o tratamento com o Ozempic”, porém, semelhante a Ana, os efeitos colaterais foram intensos, fazendo Maria declinar o uso. 

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Como outros medicamentos, o Ozempic pode trazer efeitos colaterais e riscos à saúde com o seu uso, principalmente no sistema gastrointestinal: “Nós falamos, principalmente, sobre a função do medicamento, deixamos claro a importância de procurar um profissional de saúde. O Ozempic, assim como todo e qualquer medicamento, tem efeito colateral e um dos principais efeitos colaterais, descritos na bula, são náusea e vômito. Além disso, tem um estudo que fala que um efeito colateral bem pontual é a desidratação”, comenta Hellen. 

Mesmo náuseas e vômitos sendo os principais efeitos colaterais, o medicamento pode causar outros efeitos adversos na saúde física e mental de uma pessoa. De acordo com Ana, após o uso, ela teve crises de ansiedade. “(Tive) Mal estar geral quase inexplicável. No dia seguinte à aplicação, mal conseguia levantar da cama, sentindo enjoos, tonturas e crises de ansiedade. Nos demais dias, essa sensação diminuía e zerava a fome, deixando a boca seca o tempo todo.” Além disso, Ana comenta que percebeu mudanças de humor e indisposição após o início do uso do medicamento. “(O remédio) Interferiu em tudo: fiquei com alterações no humor, mais deprimida, sem vontade e/ou disposição para qualquer tipo de atividade. Até mesmo para trabalhar, onde fico sentada em frente ao computador, tinha preguiça e ficava desanimada.”

Para Maria, além de sentir mal estar, a indisposição também foi percebida por ela. “(Tive) Mal-estar constante, enjoos, náuseas, refluxo com gosto de ovo podre o tempo todo. Também fiquei bastante indisposta durante todo o período em que fiz uso do medicamento. Um grande mal-estar e indisposição me fizeram declinar do tratamento.” 

 

Efeitos colaterais que o Ozempic pode causar, além das náuseas e vômitos, são, por exemplo: Diarreia; Constipação; Dor abdominal; Dificuldade para se alimentar e sensação de fraqueza e cansaço.

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EFEITOS COLATERAIS

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No dia seguinte à aplicação, mal conseguia levantar da cama, sentindo enjoos, tonturas e crises de ansiedade. Nos demais dias, essa sensação diminuía e zerava a fome, deixando a boca seca o tempo todo.”                                                                                                          - Ana
(Tive) Mal-estar constante, enjoos, náuseas, refluxo com gosto de ovo podre o tempo todo. Também fiquei bastante indisposta durante todo o período em que fiz uso do medicamento. Um grande mal-estar e indisposição me fizeram declinar do tratamento.”                                                                                                                                    - Maria

OZEMPIC E  SEMELHANTES

Além do Ozempic, medicamentos semelhantes a ele também são utilizados pelas pessoas pelo efeito emagrecedor rápido. O Wegovy possui a mesma substância do Ozempic e é indicado como tratamento complementar para a perda de peso em pacientes com obesidade ou sobrepeso associados a comorbidades.

“Temos o Wegovy. Esse também é semelhante ao Ozempic e é uma caneta. Só que o Ozempic ele tem três dosagens de 0,5; 0,25; e 1 miligrama, o Wegovy, se eu não me engano, tem até cinco apresentações. Também temos a versão em comprimido que é o Rybelsus, ele tem três apresentações, só que possivelmente por ser em comprimido, ele não tem uma procura tão exagerada como as outras”, comenta a farmacêutica. 

O Rybelsus, que é um medicamento utilizado via oral, assim como o Ozempic é indicado estritamente para o tratamento de diabetes, e não possui comprovação científica de uso seguro para a perda de peso.

AFINAL, POSSO UTILIZAR OZEMPIC E SEMELHANTES PARA A PERDA DE PESO?

Apesar de ser considerado um dos medicamentos mais seguros em relação ao tratamento de diabetes tipo 2 e promover cerca de até 15% de perda de peso em pessoas obesas, o uso do remédio não funciona em todos os pacientes e atinge somente uma parcela das pessoas. A eficácia do medicamento pode ser influenciada por diversos fatores, como a genética, o estilo de vida, e a presença de outras condições de saúde, como explica a metabologista. “Ele não é uma verdade absoluta e um milagre para 100% das pessoas. Chega até 30% o número de pessoas que não respondem com o Ozempic, então, não adianta eu usar a doses mais altas e tudo mais porque eu vou estar gastando e não vou estar vendo resultado.”

Remédios à base de semaglutida podem ser indicados para a perda de peso por médicos que irão acompanhar o processo do paciente o tempo todo, porém, sem uma previsão concreta que o medicamento trará um efeito positivo no processo de emagrecimento final do paciente. “O médico que tá acompanhando, mais uma vez frisando isso, ele consegue medir se o resultado que você está apresentando está dentro do esperado, porque às vezes não está e ele já pode falar. ‘Olha com essa aqui não deu certo. Vamos pensar no plano B’. Porque ele já consegue detectar isso de uma forma mais precoce”, comenta Thais. 

“Ele não é uma verdade absoluta e um milagre para 100% das pessoas."

-Thais Mussi

O acompanhamento é ainda mais importante, já que antes mesmo de começar o tratamento são feitos exames para avaliar se o paciente está apto a utilizar o medicamento. “Faço esse rastreio para olhar realmente como ele (paciente) está na questão metabólica hormonal, os níveis globais dele, [...] para eu poder fazer um acompanhamento. Porque qual é o problema, existem contraindicações relativas, por exemplo o paciente que já teve pancreatite, não é uma contra indicação absoluta, mas eu vou olhar com mais cuidado. Um paciente com histórico familiar de câncer medular de tireoide, eu vou monitorizar de perto.” explica a médica.

Para todos os casos em que o uso do Ozempic é recomendado, é necessário que a aplicação esteja associada a uma mudança de estilo de vida, como a prática de atividades físicas e uma alimentação saudável, segundo a especialista.

Mesmo sendo um grande aliado quando se trata do tratamento de obesidade, o uso desses medicamentos para fins estéticos podem trazer diversos riscos caso sejam usados de forma inadequada ou sem um acompanhamento correto. A médica orienta que caso o paciente precise utilizar o Ozempic ou outro medicamento semelhante, deve procurar um profissional qualificado para acompanhar o processo, pois, é algo longo e cansativo, contendo diversos efeitos colaterais, e que tem um alto investimento financeiro. A orientação médica adequada não apenas ajuda a minimizar os riscos, mas também assegura que o tratamento seja o mais eficaz e seguro possível.

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A disseminação dessas informações nas redes sociais, acaba dando essa falsa impressão que é um milagre, que é tranquilo usar, que é zero problemas você usar. Passam a imagem de que 'usei, tô magra, acabou e tchau', porém, o buraco é muito mais embaixo.”
                                                                          - Thais Mussi.
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